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A dinâmica dos personagens Ellie e Joel me agrada muito. Eu gostei bastante da primeira temporada de ‘The Last of Us’. Eu não sou de jogar, então não sei a história do jogo em si. Estou acompanhando pela série.

É interessante ver a Ellie observar as coisas e como criança que é: perguntar ao Joel como aquelas coisas funcionam. Um episódio que achei legal foi o que Joel sifona gasolina do tanque de um carro para um recipiente.

Sifonar água (ou gasolina com o Joel) é aquele processo que geralmente fazemos com uma mangueira em que colocamos a ponta da mangueira em um recipiente com o líquido, fazemos a succção na outra ponta e isso traz a água, assim enchemos este segundo recipiente.

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Seu cérebro aprende assim

Você já percebeu que faz algumas atividades, como andar de bicicleta, sem saber? Claro, não é sem saber, é que você criou uma memória muscular, você ficou tão expert nessas atividas que faz sem nem perceber.

Ao mesmo tempo em que você, hoje, anda de bicicleta como niguém, você deve lembrar que aprender a andar de bicicleta não foi lá tão trivial. Você tinha que estar atento a muitas coisas como manter o equilíbrio, não fazer movimentos bruscos e usar o freio traseiro ao invés do dianteiro (esse último é uma lição que é bom aprender antes de sofrer, vai por mim).

E sim, aprender algo novo é difícil. Pelo menos para a média das pessoas. Isso acontece porque o nosso cérebro é limitado no que ele consegue manter no que chamaremos de memória de trabalho.

Imagine sua memória de trabalho como um polvo com quatro tentáculos. Cada tentáculo desses é um um slot de memória. Essa memória de trabalho é que contém informações sobre o agora, sobre atividades que você está fazendo.

Um exemplo simples em que você pode ver a memória de trabalho em ação é quando você está com os amigos. Você está engajado em uma conversa, aquelas informações estão disponíveis ali. O polvo dentro do seu cérebro está segurando aquilo. Mas aí você desfoca da conversa para olhar aquele vídeo que eu acabei de lançar em meu canal do youtube.

Daí a pouco você decide voltar para a conversa. Percebe que para engajar de novo leva um tempinho? As vezes você até se perde todo no assunto.

Esse delay acontece porque o polvo está em apuros, ele estava cem por cento focado em uma coisa, do nada faz com que tudo seja largado para se dedicar a outra coisa, ou seja o polvo larga tudo que estava segurando para segurar novas informações.

Por essa descrição não é muito difícil perceber que o foco é extremamente importante quando se aprende algo.

Resolvendo as limitações da memória de trabalho

Okay, você sabe que precisa focar para aprender. Mas o que acontece quando você parou de aprender aquele dia? Será que nada fica? Será que vai ser aquele mesmo procedimento todo dia?

Claro que não! Você sabe disso. Afinal você domina totalmente a arte do ciclismo.

A memória de trabalho é volátil até demais, pois o simples fato de mudar a atenção um pouco faz com que informações “se dispersem”.

Além da memória de trabalho seu cérebro possui uma memória de longo prazo onde guarda chunks (links) de informação. Esses chunks são formados à medida que você vai deliberadamente praticando mais e mais o ciclismo.

Com o passar do tempo você já nem despende energia mental pensando sobre se equilibrar na bicicleta, você só se equilibra. Até que chega o ponto que você dominou tudo. Andar de bicicleta agora é trivial pra você.

Quando chega nesse ponto em que aquilo se tornou trivial, é o momento em que seu cérebro montou esse link neural. Seu polvo ainda entra em ação, porém somente um tentáculo é necessário para buscar toda a informação “andar de bicicleta”.

Assim seu polvo fica com outros três tentáculos livres. Tentáculos que você pode usar para outra coisa, como conversar com seu amigo ciclista que está do seu lado. Você consegue facilmente ir pedalando e conversando e nessa conversa manter informações “carregadas”.

Magnífico, não?!

Você aprendeu? Então me explica aí

Voltando à sifonação. Assim como Joel, eu sei sifonar água - e recentemente precisei fazer esse procedimento. Mas queria fazer aqui uma reflexão: quando posso dizer que aprendi algo?

Claro, você viu que é quando o chunk de memória está formado na sua memória de longo prazo. A discussão aqui é mais filosófica eu diria. É algo o como: saber fazer um procedimento VS saber como funciona.

Para atividades mais procedurais, mais mecânicas, talvez isso nem seja uma questão. Você não precisa saber das Leis de Newton e suas aplicações para aprender a andar de bicicleta.

Em algumas áreas da vida, no entanto, eu tendo a concordar com Richard Feynman quando ele diz:

o que eu não posso criar, eu não entendo.

Essa frase não diz respeito a literalmente criar coisas, mas sim entender os fundamentos daquilo.

Quantas coisas do nosso dia a dia como programador são grandes caixas-pretas em que você sabe operar aquele maquinário, apertar os botões certos, mas nada sabe em um nível de abstração menor?

Quantos desenvolvedores que trabalham com ReactJS realmente entendem, por exemplo, o ciclo de vida ou mesmo o que dispara o re-render de um componente?

Da mesma forma, quantos desenvolvedores web entendem realmente sobre protocolos básicos como HTTP? Já precisei explicar a dinâmica de cookies e seu compartilhamento entre subdomínios para um web dev senior.

Então, para esse tipo de atividade mais intelectual, mais de conhecimento, entender é ter a capacidade de explicar. E vou além. Entender é ser capaz explicar em termos simples.

Explicando como se fosse para uma criança

Um bom jeito de simplificar as coisas é com analogias. Analogias te permitem pegar um conhecimento ainda não compreendido e trazer para um terreno no qual o espectador já tenha domínio.

Sifonar água com uma mangueira e dois recipientes fazendo sucção é como jogar uma bola em um vulcão. Você tem que fazer força o suficiente para que a bola atinja o pico, do contrário ela volta. Então a tendência é que a bola desça e fique onde estava antes do lançamento.

Mas uma vez que atingiu o pico, ela não volta mais, pois será puxada para dentro do vulcão.

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Sifonar água é fazer força o suficiente na sucção para que a água escoe pela mangueira. O trabalho é fazer ela chegar num ponto em que ela não volte mais - tal qual a bola cai no buraco do vulcão ao chegar no topo.

NOTA: Esse foi o mais simples que consegui fazer agora. Me ajuda.

Perceba que a ideia da sifonação é similar à do vulcão. Na sifonação o que fazemos é diminuir a pressão em uma ponta da mangueira por meio da sucção. A água flui do lugar de maior pressão para o de menor pressão, a sucção diminui a pressão de um lado da mangueira e a água flui para esse lado.

Uma vez que ela chega em determinado ponto da mangueira a gravidade faz seu trabalho e é por isso que a água continua correndo e também é por isso que o recipiente de origem (o que contém o líquido a ser transmitido) precisa estar em um nível mais elevado se comparado ao recipiente de destino.

Simplifique

Se quer confirmar se entende algo mesmo, tente explicar para alguém. De preferência alguém que não saiba exatamente do que você fala. Minha esposa, por exemplo, me ajuda com isso. Ela não sabe nada de programação e explicar as coisas para ela é um desafio bem legal, pois tenho de recorrer a esses recursos como analogias.

Deixo essa última citação aqui em que podemos ver o que Richard Feynman que considera entender de algum assunto.

Certa vez, eu [David Goodstein] disse a ele: “Dick [Richard Feynman], explique-me, para que eu possa entender, por que as partículas de spin meio obedecem às estatísticas de Fermi-Dirac.” Avaliando perfeitamente seu público, Feynman disse: “Vou preparar uma palestra para calouros sobre isso”. Mas ele voltou alguns dias depois para dizer: “Não consegui. Não consegui reduzir ao nível de calouro. Isso significa que não entendemos realmente”.

Referências